Até no lixão nasce flor. Nunca me esqueço da força dessa visão quando eu era um assistente social recém formado e trabalhava numa ONG que dividia cerca com o lixão da Estrutural, um dos maiores da América Latina. Num carro popular surrado, meu mano mais eu saímos no início da manhã renovando a esperança nos pivas daquela quebrada. Sou mais você, era o que os nossos olhos diziam, e o disco Nada Como Um Dia Após o Outro Dia era o que os nossos ouvidos ouviam. Curioso é pensar que já haviam-se passado cinco anos desde seu lançamento, mas o sentimento ainda era o mesmo. Lançado em 2002, o disco que chegara às pistas com o peso da responsabilidade de superar o Sobrevivendo no Inferno, na verdade, foi, ‘um dia após o outro’, se estabelecendo como mais uma obra-prima. Chegou até mesmo a figurar na Lista dos 100 Maiores Discos da Música Brasileira, elaborado pela revista Rolling Stone – e olha que essa galera nem entende bem de rap. Seus maiores sucessos abordam a quebrada, o crime, o creme, as mina, os trutas, as tretas, a ponte, a guerra, a favela, a paz, a grana, a fé. De formas talvez até confusas, mas leais e intensas, fugindo à cartilha, narrando a crueza, a chinfra, o luxo, a luxúria, a humildade, o drama negro e o desafio da vida. Afrontando gambés, de forma polêmica, esse disco entrou pelo ouvido do gueto, pelo rádio dos boy e tomou sem nóis ver. Vinte anos depois, nóis aqui, ainda escavando esse disco e encontrando suas joias. Entre o Dia Mundial do Hip Hop e o Dia da Consciência Negra, se você entendeu ou se não entendeu o dialeto que atravessa esse texto, senta o dedo no play e vem comigo, negô! Vem comigo, nêga! Faz que nem o sonhador que ainda acredita, senta o dedo no play e liga nóis!
*Texto de Leonardo Ortegal, nosso convidado da semana no PodCália.
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